20050901

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CONTO DA ARANHA (a uma amiga desamparada)

Este era um conto para ser contado há já imenso tempo, pois então o tinhas pedido.
Não o pediste na forma definida de conto, pediste um escrito que na altura estava ainda indefinido o que viria a ser. Penso que perfazerá algo como três a quatro anos o tempo em que este ficou por contar! Agora vem, atrasado mas certeiro. E vem já com a forma definida, conformou-se na minha mente neste últimos tempos – a ideia já vinha pensada desde o início, desde quando o pediste, mas madurou agora e caiu, como maçã madura cai da árvore, sob o teu olhar. Tem a forma de conto, de fabulada história.

Todos os contos têm uma moral como advertência e ensinamento e revelam um caminho e uma orientação. Assim são as fábulas de Monsieur de La Fontaine. Assim são muitas outras histórias que apodamos de infantis mas que vão mais além no conteúdo e na complexidade do que dá a entender essa rotulagem. Interessa-nos compreender a mensagem no meio da falsa candidez.

A aranha vem já a seguir. Conto só o porquê do nome do conto. Estava um dia a contemplar uma teia e pensei que daria um bom tema para um texto. Ponto. Não conto mais do conto porque estaria a revelar demasiado do que revelarei já de seguida. Mantenho-me curto.

A aranha é um insecto aracnídeo, com oito patas segmentadas, ferozmente predatória e canibal. É dos animais mais antigos ainda existente, dos mais profícuos e prósperos. É dos que há mais tempo anda por aí e encontrarás uma onde fores, tanto no Saara como no Árctico. Existem de todos os tamanhos e hábitos: terrestres, aquáticas e até planadoras. Revelam ameaçadores instintos territoriais mas conjugam-no com uma quase enternecedora dedicação maternal (em algumas espécies).

Eu gosto muito de aranhas, aprecio a sua tenacidade na caça e meticulosidade na construção desse portento arquitectónico que é a teia. São umas prodigiosas arquitectas, as aranhas. Já tive várias como animal de estimação.

Olhava no outro dia uma teia e tanto apreciava o rendilhado de seda como me questionava sobre o crescimento das aranhas. Logo após dar à luz, os juvenis saem da teia materna e buscam o mundo. Sem contemplações, sem olhar para trás, sem dizer até já. Sei que falamos de animais invertebrados e descerebrados mas pode-se sempre fazer um comparativo com a raça humana, até porque nós próprios somos animais e não tão racionais como pensamos, escondemos muita brutalidade e existe muito de animalesco em nós.

Vou tentar fazer um paralelo com a espécie humana e talvez te sirva também. As aranhas jovens ao saírem da teia natal aventuram-se por um mundo novo até então para elas desconhecido, mas esta busca é tanto natural como necessária. Procuram um sítio para se estabelecerem, para montarem a sua teia armadilha ganha-pão, num espaço que reuna as ideais condições para a sua caçada trapaceira. E aí chegadas, as chegadas, porque muitas ficam pelo caminho por obstáculos vários, estabelecem-se e frutificam.

Assim também é o homem, necessita de sair e aventurar-se pelo mundo para crescer e acumular memória, experiências e conhecimento, saindo da casa materna (teia aconchego) e ir também à caça, à aventura, a buscar poiso, seu lugar no mundo. Queres partir à procura quanto antes, enquanto não se faz demasiado tarde? Queres ser uma aranha aventureira neste mundo cheio de cantos por ocupar ou uma mosca presa já numa teia tão acanhada sem tentar ser aranha predadora?

Espero que te sirva de inspiração este conto nada habitual.

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