20080126

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DINO DE MILO

Tenho um apetite excêntrico por mexer no barro, em argila, em moldar com as minhas mãos seja o que fôr, não sei. Em deixar a pele secar em contacto prolongado com os dedos na matéria, em formá-la, deformá-la, conformá-la ao que quero, em apetites dos digitais e rebates de anseios. 

Exculpo bonecos em argila porque. Não o sei explicar. Será de antes, da ânsia de apertar o seio materno, de o adaptar à minha boca terno e sequioso e assim me prover? Será de ser ser humano e assim necessariamente inquieto das terminações dos membros superiores, cotos inventores? Talvez porque sempre é de mim, que algo se adapta ao que quero que seja a matéria prima em bruto sem forma, disforme.

As metamorfoses por que passa um objecto nas minhas mãos só me completa no final, ao conseguir algo que reconheça como algo – ainda que levemente inexistente, abstracto.

No outro dia improvisava com um pedaço de argila na mão. Brincava, puxava, tentava fazer qualquer coisa que nem sequer ainda tinha imaginado, numa jam session de barro, arrancando ali para o pôr depois novamente aqui, alimentando com um pouco de água a massa já a secar em contacto com o ar e com a pele, truncando outro pedaço deste lado, procurando encontrar um ícone escondido, por revelar.

Saiu-me um dinossauro, porquê? Surge a ideia de que é sempre novidade, jogo roleta, puxo a alavanca da sorte, porque nunca sei o que sairá quando me ponho a perturbar – quase maquinalmente – o barro. Saiu um dinossauro, saiu. Sauro, dinossáurio, sáurio, sei lá... Como é mesmo o nome... saurópode, isso. Então, saiu-me um saurópode do encontro da mão com o material, pela mão saiu.

Como qualquer outra coisa por mim criada em argila e após estar terminada deixo-a sempre ao relento para que enrijeça, para que se fixe, para que perca toda a dispensável água. Sei que como pai de algo de mim nascido devia ter outra preocupação por filho tão novo, ainda agora posto ao mundo. Perdão, mas não tenho mufla, e o ar do exterior e da noite é o que há de melhor para que este objecto se ganhe!

Mas pela manhã é a catástrofe! Encontro o animal decepado de todos os seus membros, dos quatro e da cauda, soltas e perdidas, inútil juntá-las e colá-las! Para quem conhece os saurópodes, além de saber que é um bicho morto, já extinto e visível por aí em ossadas e reconstituições de livros, também sabe que era um animal de membros longos e de cauda comprida, todo ele vasto e esguio, talvez impossível de fixar em barro sem entrever este desfecho de divisão a não ser auxiliando a estreiteza do material nestas terminações com algum recurso, algum mecanismo de fixação.

Então sobreveio-me a ideia – claro! Assim toda a figura ganha outra dimensão, outra lógica! Acabei de criar o Dino de Milo, perfeito!

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Imagem - peças de argila, Coimbra, 2004/5?

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